domingo, 29 de agosto de 2010

PNE (Plano Nacional de Educação) e o Ensino Fundamental

O PNE elaborado pelo MEC e aprovado em 2001, sob a Lei 10.172/2001, difere do Plano elaborado pela sociedade brasileira em vários aspectos, e aderiu mais ao caráter de uma “carta de intenções”, do que propriamente de um plano nacional de educação. Segundo Ivan Valente (2002), a administração federal vetou tudo que pudesse ter a imagem de um plano, e o PNE acabou por ter que ser dotado de verbas para viabilizar as diretrizes e metas propostas.
Enquanto a sociedade propusera um plano que preocupasse com a diversidade no ensino, o PNE aprovado não faz menção à qualquer diversidade ou diferenças, mas possui objetivos que atendam à formação de cidadão durante o ensino fundamental.

O PNE faz o seguinte diagnóstico para o ensino fundamental: Existe hoje, no Brasil, um amplo consenso sobre a situação e os problemas do ensino fundamental. há muitas crianças matriculadas no ensino fundamental com idade acima de 14 anos. uma situação de inchaço nas matrículas do ensino fundamental, que decorre basicamente da distorção idade/série, a qual, por sua vez, é conseqüência dos elevados índices de reprovação. . Esse problema dá a exata dimensão do grau de ineficiência do sistema educacional do País: os alunos levam em média 10,4 anos para completar as oito séries do ensino fundamental. a situação de distorção idade/série provoca custos adicionais aos sistemas de ensino, mantendo as crianças por período excessivamente longo no ensino fundamental. A correção dessa distorção abre a perspectiva de, mantendo-se o atual número de vagas, ampliar o ensino obrigatório para nove séries, com início aos 6 anos de idade. Esta medida é importante porque, em comparação com os demais países, o ingresso no ensino fundamental é relativamente tardio no Brasil, sendo de 6 anos a idade-padrão na grande maioria dos sistemas, inclusive nos demais países da América Latina. Corrigir essa situação constitui prioridade da política educacional.
Abrir vagas não basta, são necessários Programas paralelos de assistência às famílias fundamentais para o acesso à escola e a permanência nela, da população muito pobre, que depende, para sua subsistência, do trabalho infantil. É preciso que a União continue atenta a este problema, priorizando o auxílio técnico e financeiro para as regiões que apresentam maiores deficiências.
Quanto as Diretrizes o PNE atribui a necessidade de políticas educacionais ao atraso no percurso escolar resultante da repetência e da evasão destinadas à correção das distorções idade/série. A expressiva presença de jovens com mais de 14 anos no ensino fundamental demanda a criação de condições próprias para a aprendizagem dessa faixa etária, adequadas à sua maneira de usar o espaço, o tempo, os recursos didáticos e às formas peculiares com que a juventude tem de conviver. O turno integral e as classes de aceleração são modalidades inovadoras na tentativa de solucionar a universalização do ensino e minimizar a repetência.
A LDB, em seu art. 34, § 2º, preconiza a progressiva implantação do ensino em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino, para os alunos do ensino fundamental. À medida que forem sendo implantadas as escolas de tempo integral, mudanças significativas deverão ocorrer quanto à expansão da rede física, atendimento diferenciado da alimentação escolar e disponibilidade de professores, considerando a especificidade de horários.
Reforçando o projeto político-pedagógico da escola, como a própria expressão da organização educativa da unidade escolar, surgem os conselhos escolares, que deverão orientar-se pelo princípio democrático da participação. A gestão da educação e a cobrança de resultados, tanto das metas como dos objetivos propostos neste plano, envolverão comunidade, alunos, pais, professores e demais trabalhadores da educação.
A atualidade do currículo, valorizando um paradigma curricular que possibilite a interdisciplinaridade, abre novas perspectivas no desenvolvimento de habilidades para dominar esse novo mundo que se desenha. Além do currículo composto pelas disciplinas tradicionais, propõem a inserção de temas transversais como ética, meio ambiente, pluralidade cultural, trabalho e consumo, entre outros. Esta estrutura curricular deverá estar sempre em consonância com as diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação e dos conselhos de educação dos Estados e municípios.

sábado, 31 de julho de 2010

Jackiria Gino Lula Rezende


Nordeste: olhares que apontam para uma construção deturpada da História

A começar pelo título deste texto é bem pertinente discutir diversos olhares sobre o que é Nordeste. Olhares estes que direcionam para uma região construída a partir da homogeneidade cultural, social e econômica, conforme muitos discursos que se ouvem ainda hoje sobre tal espaço, algo não espantoso, pois se trata de uma construção elaborada por grupos de poder aquisitivo significantes e de maneira objetiva, conforme Durval Muniz de Albuquerque Júnior afirma “o Nordeste, como qualquer recorte regional, nasceu de disputas pelo poder, através de lutas políticas no interior do Brasil...como reação ao processo de declínio econômico e ao desprestígio político das elites nortistas” (p.1). Tratava-se de assegurar para si privilégios e não havia espaço para tantos “chefes”. Desta forma a imagem utilizada para tal criação foi a de um Nordeste de secas e miseravelmente sofrido. É quando esse discurso ganha força e começa a ser transmitido às outras regiões do Brasil, e infelizmente se faz presente, ainda hoje, muitos vestígios de tal.
Seja pela mídia ou no pouco contato entre as pessoas é que o Nordeste homogeneizado foi sendo formulado. As imagens de apelação do nordestino sofrido, que vive em condições subumanas de vida e constantemente é assolado pela seca, divulgaram e divulgam a realidade apenas da parcela que interessa aos políticos em relação ao Nordeste, pois assim se alcançam verbas para programas sociais que “combatem” tais problemas, na verdade isso fica só no papel.
No entanto, os próprios nordestinos muitas vezes se esquecem do local onde vivem e adotam algumas das características a que estão submetidos e faz seu uso em alguns casos contra os próprios nordestinos, algo bastante contraditório e sinalizador da falta de consciência do jogo a qual está submetido.
Muniz de Albuquerque ao discorrer sobre a questão de existir uma identidade nacional e isso ligado ao fato da criação do Nordeste, afirma que esta “é uma construção mental... Falar e ver a nação ou região não é, a rigor, espelhar estas realidades, mas criá-las. São espaços que se institucionalizam, que ganham foro de verdade” (1999, p.27).
Desta forma, de tanto ser induzido por discursos e imagens, cria-se formas de manipulação do imaginário social e coletivo. José Murilo de Carvalho, em sua obra Formação das Almas, fala com muita propriedade sobre a criação de um imaginário capaz de produzir a imagem de um povo homogêneo, com características que precisam ser preservadas para que se alcance um objetivo comum. Porém, ao analisar a população, em vários aspectos, do que se entende por região Nordeste, é claramente visível as diferenças, as particularidades de cada grupo que constitui este espaço. Portanto não seria viável o discurso de que haveria nesta região interesses políticos e econômicos comuns, cultura comum ou mesmo autenticidade nacional por não ter sofrido imigração estrangeira, algo desconstruído quando verificado a presença de mão-de-obra escrava na Bahia, ou seja, negros trazidos da África. Sendo assim caí por terra estas justificativas para criação do Nordeste.
Voltando ao preconceito contra o nordestino e a ignorância sobre tal, quando perguntado sobre o que entende por Nordeste, grande maioria das pessoas, inclusive nordestinas, afirmam ser a região do povo sofrido, do miserável, das secas e atrasada tecnologicamente. É triste, mas verídico, ouvir em pleno século XXI afirmações como do tipo “o Nordeste foi o primeiro a ser povoado” ou “onde se é uma região mais árida e seca do país, onde o número de pessoas com mais dificuldades sociais e econômicas”. A criação foi bem elaborada e seu discurso permanece enraizado. Na pesquisa de campo as respostas apontam para uma visão estereotipada e o mais desconfortável é que parte, em alguns casos, de próprios nordestinos. Eles não analisaram o fato de fazerem parte do Nordeste que definiram, e ainda, não levaram em conta suas diversidades e particularidades, e que existem nessa região espaços litorâneos, metropolitanos e interioranos.
Essa visão de lugar de seca e miséria só é desconstruída quando se tem acesso à visões como a de Muniz, que auxiliam no entendimento quanto à construção do Nordeste. Existem outras visões que apontam para um lugar de povo alegre, festivo, porém onde não há desenvolvimento, este também é um olhar manipulado que caminha para um viés de um local de povo preguiçoso e atrasado.
Considerando toda essa análise da construção do Nordeste, fica evidente que todas as relações de poder aí presentes incluem tanto o discriminado, quanto o discriminador, e que ambos fazem parte e atuam como agentes sociais históricos para reforçar ou desconstruir esta visão deturpada de Nordeste. Fica sempre, para quem conhece novos olhares desta região, o desejo de levar tal conhecimento adiante, a fim de banir este discurso manipulador e que ainda persiste.
tal conhecimento adiante, a fim de banir este discurso manipulador e que ainda persiste.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Resenha: Pro Dia Nascer Feliz


JARDIM, João. Pro Dia Nascer Feliz. Filme Documentário, produção TAMBELLINI Filme, São Paulo, ano 2006.

João Jardim nasceu em 1964, no Rio de Janeiro. Formou-se em Jornalismo pela Faculdade da Cidade e estudou Cinema na Universidade de Nova Iorque. Participou do núcleo do diretor Carlos Manga, na TV Globo, onde realizou a minissérie “Engraçadinha” e editou “Memorial de Maria Moura” e “Agosto”. Editou diferentes trabalhos de Walter Salles e Eduardo Escorel para a TV independente. Foi assistente de direção em longas-metragens de Murilo Salles (“Faca de Dois Gumes”) e Cacá Diegues (“Dias Melhores Virão”). Diretor de “A Janela da Alma”, seu primeiro longa metragem que recebeu 11 prêmios nacionais e internacionais.
A produção do filme documentário Pro Dia Nascer Feliz recebeu uma indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de Melhor Edição - Documentário, ganhou os Kikitos de Ouro de Melhor Filme - Júri Popular, Melhor Trilha Sonora, o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio da Crítica, no Festival de Gramado, ganhou ainda o prêmio de Melhor Documentário - Júri Oficial, o Prêmio da Juventude e o Prêmio Bombril de Melhor Documentário Brasileiro, na Mostra de Cinema de São Paulo.
O filme é apresentado em cenas coloridas e em preto e branco. A trilha sonora conta com Cazuza e Titãs, tendo como responsável Dado Villa Lobos. A produção é composta por cenas intercaladas e organizadas de modo a apresentar as realidades e particularidades dos alunos e professores, em suas determinadas regiões a partir de suas próprias falas, dirigido, portanto para adolescentes, professores e pais. O objetivo principal da obra é provocar uma reflexão sobre o tema educação de uma forma simples para despertar as pessoas de que a escola precisa ser prioridade. Outros aspectos debatidos são a questão da subjetividade e do comportamento dos envolvidos no processo de aprendizagem. Ele busca trazer uma outra visão para algo já conhecido, na verdade o filme quer apresentar o fato de que muitas coisas precisam ser feitas para mudar o quadro em que a educação se encontra.
O diretor João Jardim apresenta um panorama sobre as adversidades enfrentadas pelo adolescente brasileiro na escola, envolvendo preconceito, precariedade, violência e esperança. Adolescentes de três estados, de classes sociais distintas, falam de suas vidas na escola, seus projetos e inquietações.
Sem dúvida a leitura que se faz de uma produção como esta é de suma importância para futuros docentes se aproximarem, conhecerem e procurarem entender como se dão as relações nesse universo educacional. Nesse sentido são notórias as várias contribuições para quem o analisa por uma vertente crítica, desde as várias realidades apresentadas às falas de otimismo que apontam para a necessidade de se mudar a maneira de lidar com o conhecimento e como apresentá-lo aos alunos. Ainda contribui no que se refere à necessidade de introduzir outros profissionais na educação, além de professores, diretores, secretários, pois em muitas das vezes o professor acaba por fazer o papel que a sua formação não lhe permiti, como por exemplo, psicólogo, assistente social, pai e mãe, o que torna difícil a prática docente ser realizada com resultados positivos.
É um documentário que não apresenta falhas no decorrer de sua exibição, até porque se trata de falas expressas naturalmente de uma triste realidade na vida de professores, alunos adolescentes e confusos, de um sistema educacional fragilizado diante um quadro de professores que pressionam e outros pessimistas e descomprometidos, consequentemente alunos que sofrem com a pressão e com o descaso.
Nas imagens expostas das aulas muitos aspectos de um paradigma tradicional são detectáveis. Professores que não levam em conta o contexto, as vivências dos alunos, ou ainda aqueles que se prendem, no caso da disciplina de História, à grandes heróis, a acontecimentos isolados e formulam perguntas inadequadas aos alunos, entre outros elementos. No entanto o paradigma emergente aparece em uma das falas de uma professora como uma “luz no fim do túnel” para começar a se trabalhar com a educação de um modo conveniente e envolvente.
A falta de um mediador entre o aluno e o conhecimento torna a situação insuficiente para o êxito do processo ensino-aprendizagem. Os conflitos decorrentes de tal condição existem tanto nas escolas públicas como nas privadas, situação esta que comprova a necessidade de um mediador capaz de se enquadrar no paradigma emergente, que saiba realizar uma transposição didática e também que a está fazendo, que torne o conhecimento ensinável, levando em conta as aprendizagens dos alunos, para assim tornar os conteúdos significativos e as aulas mais produtivas, problematizadas e de inteira relação professor-conteúdo-aluno.
O título da obra “Pro Dia Nascer Feliz” é um indicativo da urgente e necessária mudança para melhorar significativamente não só a vida escolar, mas familiar, esta última que conforme observado em vários casos apresentados pelo filme influencia totalmente a produtividade em sala de aula.
Quanto às idéias que apresenta são claras e precisas, e não chega a ser algo totalmente desconhecido do meio educacional, mesmo assim não necessita de conhecimentos prévios, pois a linguagem é simples e fácil de ser apreendida. Jardim consegue apresentar uma abordagem inovadora ao partir das falas dos atores principais deste “filme problema” que é a realidade escolar, nada mais confiável que ouvir os próprios sujeitos do processo de ensino, levando em conta, é claro, as adversidades de cada região deste imenso Brasil.
Sem apresentar uma conclusão, até porque o processo de ensino-aprendiagem e suas relações sócio-culturais não é conclusivo, o autor contribui para um novo olhar sobre as dificuldades e necessidade tanto de professores e alunos como de toda a comunidade envolvida no universo escolar. Desta forma é de grande interesse para a comunidade escolar e familiar contribuindo para um convívio agradável e produtivo, onde o diálogo se torna o caminho mais vi para a solução dos problemas.

domingo, 11 de julho de 2010

Resenha do filme "1492: A Conquista do Paraíso" elaborada por Jackiria Gino Lula Rezende
TODOROV, Tzevetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo Martins Fontes, 2003.
1492: A conquista do paraíso (Título original “1492: Conquest of Paradise”). Direção de Ridley Scott. Roteiro de Roselyne Bosch. Local de lançamento: EUA / Inglaterra / França / Espanha: Paramount Pictures, 1992. 1 filme (148 min.): leg. Color.

O filme referido retrata o período em que Cristóvão Colombo, interpretado por Gerard Depardieu, vai em busca de novas rotas para se chegar às Índias em pleno século XV. Busca esta realizada em três viagens que se tornaram um marco na vida deste homem e de todos que o acompanharam. O descobrimento em si da América, foi marcado pelo desastroso comportamento que os europeus tiveram com os habitantes do Novo Mundo e todas as ações que Colombo realizou para colonizar o continente que ele descobriu “por acaso”.
Na obra, Colombo a princípio é visto como um louco que desejava desvendar o impossível, o além-mar. Encontra muitas dificuldades para realizar seu desejo e financiar seu projeto, já que é considerado tanto por Portugal como pela Espanha um estrangeiro, e ele realmente o é. Porém ele consegue, não do dia para a noite e com muitas resistências, reverter essa situação. Ao convencer as duas lideranças principais da época, a nobreza e a Igreja, ele afirma propagar a fé católica e obter lucros para a Coroa espanhola, mais especificamente prometia encontrar ouro.
Em contraposição a essas idéias, pode-se afirmar que ele desejava não somente isso, mas principalmente descobrir novas terras e alcançar títulos por desbravar novos mares, o que até então estava fora de cogitação. Tzevetan Todorov afirma em sua obra A conquista da América: a questão do outro (2003) que “os lucros que ali devem haver têm apenas um interesse secundário para Colombo. O que conta são terras e sua descoberta.” p.17. Realmente o interesse de Colombo sempre se voltava para o seu projeto, ficando em segundo plano as outras descobertas que ali houvessem embora nunca descartadas.
Ao descrever Colombo, através de suas ações, o filme sugere uma imagem otimista, de um homem bondoso, amoroso e preocupado com o próximo. Segundo ainda Todorov, no que diz respeito ao trato com os povos deste Novo Mundo, Colombo foi muito cruel e indiferente, e todos aqueles que chegaram com ele.
O primeiro contato entre as culturas européia e indígena, se é que se pode chamar este último assim, é apresentado com um clima de hospitalidade, curiosidade e comunhão, porém a ambição falou mais alto e a batalha travada na busca incessante ao ouro ou quaisquer outras riquezas “acaba” em muito derramamento de sangue, e o que é pior de muitos inocentes. Colombo nada poderia fazer. Mas será que Colombo realmente se importava com o outro, como mostra o filme?
Está aí uma lacuna muito grande quanto aos reais motivos que o levaram a se arriscar tanto. Ele apenas pensava no bem de quem encontraria nas novas terras isso é perceptível nas cenas do filme. No entanto, ao analisar outras obras referentes ao assunto, fica claro que a obra apresenta “a descoberta da América” como uma paixão, aonde um homem deslumbrado por navegações, vai a busca desse novo mundo, novos ares, novas terras. Tudo isso, porém, sabemos que é produzido no intuito de convencer o público alvo de que foi realmente uma aventura alucinante e que no final, se é que existiu um final, deu grandes méritos ao Cristóvão Colombo. Ridley Scott em vários momentos faz uma camuflagem do Colombo descrito por Todorov. Este último vai além do que se imagina e o vê como um verdadeiro hermeneuta, com o dom de interpretar sinais. O filme apresenta isto, no entanto se percebe a superficialidade de como é tratado. Era este almirante um finalista que alcançava seu sucesso devido a essa façanha que convencia a “qualquer um”.
Um ponto, porém apresentado que é de grande aproveitamento para o desenvolvimento crítico, que leva a refletir sobre a forma de dominação praticada por Colombo e demais europeus, é sem dúvida a construção de um forte com um enorme sino, símbolo da Igreja Católica, afirmando ali a presença de “novos donos”. Sugere ainda a interpretação de que aquele povo não tinha religião, cultura e muito menos um DEUS e que precisavam urgentemente ser “humanizados” para a honra e glória do Altíssimo, o que desqualificava qualquer pré-conhecimento adquirido por eles.
Considerando, portanto o caráter informativo altíssimo, além de apresentar idéias que possam despertar o conformismo levando-nos a acreditar que a América foi realmente “descoberta” por Colombo, o filme é de total interesse a todos que buscam desenvolver várias leituras acerca desta “descoberta do continente americano”. É ainda importantíssimo aos que necessitam de um aprofundamento nesta, que podemos chamar de “viagem ao paraíso”. No entanto é necessário um pré-conhecimento de historiadores/teóricos dissertadores do tema abordado pelo filme, para assim analisa-lo num todo, com um olhar crítico e de caráter investigatório.


Postado por Jackiria Lula em 11/07/2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Resenha do Livro " a Formação da Almas: o imaginário da República no Brasil".

O tema central deste livro é a batalha pelo imaginário popular no Brasil, travada durante a transição da Monarquia para a República (1889 até o término do século XIX). A manipulação do imaginário social é importante na redefinição de identidades coletivas e é nessa scene transitória, no exato momento em que se cria uma história e se luta por ela, que o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho insere o assunto de seu livro.
A formação das almas é uma compilação de ensaios já publicados pelo autor juntos a outros inéditos. É uma história – tese, pois conta uma história transpassando fontes, para provar uma tese. Um documentário analítico, cujos fatos descritos são de difíceis percepções para os menos atentos que viveram o período, ou para os que vivem no tempo presente. O livro desvenda os mistérios do que estava coberto de forma imperceptível.
O título do livro pressupõe o relato de uma formação das almas e ao lermos esse, percebemos um sistema de formação psíquica popular, pós – republicana processada pela manipulação de um aparato de representações. Entretanto, com esse título o autor também pretende formar, através de uma reestruturação dos conceitos anteriores criados, novas almas atentas às verdadeiras significações desses elementos, vislumbrados, até então, de maneira acrítica.
A educação e os costumes são hereditários, porém mutáveis temporalmente, além de variáveis conforme o lugar. Ao nos atentarmos à relação educação/tempo, percebemos que se faz necessária uma ruptura para se alterar paradigmas. Seja esta através de um movimento cultural ou proferida pela própria ciência. A ciência humana, utilizada por José Murilo de Carvalho abriu uma rachadura cultural, algo capaz de provocar uma mudança no status quo. Não repentinamente, como uma revolução. E sim, num crescer gradativo já perceptível aos mais atentos.
No livro, a história como legitimadora aparece no instante em que se constrói uma consciência. Todos os atores dessa construção de retórica suasória possuíam consciência de seus feitos. José Murilo deixa claro esse fato. Foi uma tentativa de se criar um “fetiche” republicano pelo emprego literário e artístico: símbolos, alegorias, rituais e mitos; perante uma não – elite, num devir pós – Proclamação da República, que melhor representasse grupos interessados em serem representados. Esses se valiam de tudo descrito acima para reforçar suas argumentações.
Essa trama foi conduzida principalmente por idealistas do modelo francês, além dos positivistas. Os positivistas davam total apoio à maior parte dos aparatos representadores, por fim, implantados. Eles valorizavam o papel do ditador, do congresso, as normas eleitorais, as políticas educacionais, etc. Enquanto os jacobinos, seguidores de um ideal francês, insistiam que era fundamental a participação popular. A introdução do livro situa ao leitor como foi esse ambiente político - filosófico da época. Nessa parte há uma descrição mais profunda dos grupos ideológicos que, através de seus integrantes, faziam parte do governo. Excluindo alguns resistentes atuantes nesses grupos, a maior parte deles era favorável a república.
Entre a parca contribuição jacobina, podemos citar, como maior feito mostrado pelo autor, o do hino nacional. A letra de Francisco Manuel estava em desuso desde a monarquia. Então, tendo como pressuposto tal desuso da letra, buscaram mudar não só esta, mas todo o instrumental do hino. Até certa parte, o feito foi vão. Foi impossível mudar o hino sem gerar uma insurreição popular. Por isso o instrumental dele continuou utilizado com uma letra nova, composta por Osório Duque Estrada. O autor analisa essa ocorrente como sendo “as raízes populares do hino imperial.” (p. 127). A vitória jacobina está na utilização do hino pelos populares, que o cantam nos momentos de extravagância das emoções cívicas.
Diante de uma sociedade hierarquizada e desigual, as especulações financeiras, causada pela demasiada emissão de papel moeda que assolava o país, foi o campo ideal para a criação da república que, mesmo assistida pelos cidadãos brasileiros de forma “bestializada”, acabou aceita por eles.
Adiciona que seria relevante, um ponto de debate, entre a intelectualidade republicana, recorrente na época: liberdade privada e pública. O indivíduo e a comunidade. Como eles se relacionam? O enfraquecimento na constituinte de um resultaria o fortalecimento do outro? Havia grandes anseios dos formadores de opinião por definir a liberdade e autonomia. Só doravante, tal sentimento, surgiria nas camadas populares.
Apesar de não suprir a demanda popular, o regime monárquico parlamentarista brasileiro era um dos mais avançados da época. Num período em que o mundo vivenciava uma contra-revolução francesa, voltando a optar pelo regime monarquista, o Brasil, por ter tido, a França como guiadora, assim afirma José Murilo, se entregou a um regime republicano oligárquico. O ocorrido baseou-se no fato de que os brasileiros tinham esperanças, mesmo que não entendessem a mudança. Esperavam uma melhor vida, que só poderia ser obtida pela reativação econômica que se encontrava enfraquecida no país.
Pós - proclamação da república foi preciso, através de elementos unificadores, ligar: Estado (representação em corte de alguma classe social) e Nação (conjunto de indivíduos de um país organizado politicamente num Estado autônomo), para que assim o popular, mesmo que estando, nas palavras de José Murilo “abobado”, compreendesse no futuro essa mudança. É incoerente, pelo próprio significado da palavra, que haja Nação, sob o estigma da república, sem um respaldo popular. Para tal representação, propuseram absurdos, até chegarmos ao conjunto de símbolos consensual.
Tiradentes virou um herói, vislumbrado por José Murilo, como utópico. O cristo imaculado, cuja representação moral e até visual feita deste pela arte, faz lembrar o unigênito de Deus. O autor mostra que não há relatos, retratos e nem nenhuma vertigem (como exemplo um Santo Sudário) que possibilitasse imaginar como seria sua figura. A desmistificação de Tiradentes como herói cívico acompanha todo o capítulo 3. O trecho de José Murilo que, poderia melhor expressar o feito referente à pessoa de Tiradentes é: “O domínio do mito é o imaginário que se manifesta na tradição escrita e oral, na produção artística, nos rituais. A formação do mito pode dar-se contra evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo mecanismos simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narrativa histórica.” (p. 58). A figura mitológica, do mártir, foi reivindicada pelos positivistas e até mesmo pelos monarquistas, havendo ainda uma proposta, no início do século XX, de fazê-lo um herói anarquista. O autor aqui mostra como um só ser, encarnou várias personificações.
Outros símbolos, além dos já citados, que José Murilo analisa, são a bandeira nacional e alguns monumentos presentes em vias públicas. A bandeira seguiu o mesmo desenho geométrico do império. Sua remodelação ficou a cargo dos dizeres positivistas: “ordem e progresso”. Quanto aos monumentos, José Murilo, retrata através deles, o que podemos adjetivar, nesse trabalho, como sendo uma briga por território entre os jacobinos e positivistas. Eles queriam os espaços de maior relevância para agregar valores a suas representações perante o povo.
O capítulo 4 é de vital importância. Nele, o autor não analisa um símbolo, e sim um dos maiores fracassos ao se tentar criar um. O capítulo retrata a tentativa de introduzir a figura feminina na República. Nessa, novamente, a influência francesa é notória. Desde 1872 a república na França utilizou a figura da mulher como representante de liberdade. A inspiração veio da antiga Roma. Aos poucos, jornais oposicionistas passaram a ridicularizar o símbolo, através de charges. Assim, a alegoria feminina da república virou sinônimo de chacota, sendo abandonado pelos republicanos. O fato ainda é muito desconhecido no país. Neste caso, entendo como sendo fácil analisar um símbolo existente, mas como pensar e se descobrir uma tentativa, de se criar um, cuja temporalidade a memória popular já não a remetem mais? Preciso é uma pesquisa bem apurada, e esse seria o diferencial do trabalho de José Murilo. Ele não parte de um assunto conhecido cooperando através de novas perspectivas e sim de um assunto novo com uma, logicamente, primeira perspectiva.
O autor é muito detalhista. Mostra, nos amiúdes a boa pesquisa de seu livro. Além da pesquisa, que desenterrou a alegoria feminina da república, podemos citar como pormenor as várias personificações de Tiradentes perante as múltiplas facetas ideológicas. José Murilo vai do movimento monarquista ao positivista passando pelo anarco – sindicalismo do início do século XX e narra como todos pretendiam se apropriar da figura martirizada.
Na conclusão do livro o autor é breve. Em apenas uma página e numa pequena parte da outra, expõe algo inegável mediante os fatos enumerados no livro e resenhados aqui de forma esmiuçada: a falha dos esforços das correntes republicanas em legitimar a república, fora dos parâmetros do Império. Se, obtiveram algum êxito, esse foi graças ao que o autor chama de “compromissos com a tradição imperial” (p. 141). Ou seja, elementos que serviram como legitimadores da república são oriundos da monarquia.
Todo descrito até aqui, justifica a posição de José Murilo pró – Monarquia no plebiscito de 1993. Seria uma volta ao modelo puro de simulacros. Talvez uma passagem posterior para a república, ou para outro tipo de governo, fosse aceita pelo historiador, desde que a transição possuísse legitimidade com elementos respaldados por uma história, senão verídica, pelo menos com maior grau de veracidade.
Essa tarefa de convencimento, pela propaganda dissimulada em símbolos, numa sociedade onde a mídia não estava tão onipresente, talvez pudesse ser o pressuposto dum outro trabalho que fosse uma continuação, complemento desta. Propaganda que anos depois, o teórico francês Guy Debord diria que dissuade, persuade criando uma falsa consciência. O trabalho partiria de uma amostra psíquica referente ao feedback dessas propagandas. Mostrando os pontos que falhou e levantando os porquês dessas falhas e também utilizando os pontos de sucesso dela. Um estudo voltado para análise da criação desses aparatos representativos desse período e a reação das pessoas frente a ela. Sei que já se vão anos, porém os jornais, mesmo fontes falhas, demonstram o cabedal sentimentalista do seu público alvo e de si. A imprensa é gerada no calor da emoção e influenciada pelo presente em que se situa. Acredito que isso seria um trabalho oportuno de três disciplinas: a psicológica, a semiológica e a historiográfica.
Postado por Luiz Fernando Sancho às 07:06